28 de dez. de 2015

"Tião' é Betel

Acabo de chegar de viagem, acordo logo cedo, sinto o cheiro gostoso de estar em casa. Boto o pé na rua para a caminhada matinal e, ao retornar depois de um banho para encarar as tarefas de trabalho e ajustar o que ficou por fazer, recebo a triste notícia de uma nota de falecimento.
Nem bem tirei a roupa suja da mala uma notícia dessas.
A vontade é retornar para estrada e ficar perto novamente, abraçar gente que deixei, não nesta viagem que acabo de deixar para trás, mas de outras, muito antigas, viagens que marcaram pra sempre a caminhada da vida.
Olho a mala vazia, olho a pilha de roupas por lavar, olho o quintal com varal vazio, a rua ainda solitária... No fundo mesmo a vista está nesses objetos mas o olhar não. Não vejo nada disso porque notícias como estas apontam para dentro, para ontem, para os selos que colecionamos na vida.
Algum tempo atras existia um costume de etiquetar as bagagens com adesivos. As malas eram marcadas, ilustradas com as etiquetas dos lugares percorridos. Esta prática teve início com a expansão das viagens de turismo em meados do século XIX. Naquele período em que viagens não eram para qualquer um. Era necessário ter muito dinheiro no bolso para entrar num daqueles vapores lentos e, além disso, quem viajava teria que ficar muito tempo sem trabalhar de forma sistematizada. Foi o tempo das etiquetas de bagagem e elas ficaram muito conhecidas.
Muita relação já foi feita com gente que é rotulada de 'mala' e isso você sabe muito bem o que é. Todos nós somos, de certa maneira, 'uns malas'. Mas também creio que tem gente que é muito mais parecida com aquelas famosas 'etiqueta de mala'.
Olhar uma etiqueta dessas devia ser uma recordação impactante. Este exercício fazia da etiqueta um trampolim para o passado. Uma viagem muito rápida para um lugar específico e para um bocado de gente colorindo relações e recordações. A etiqueta creio, que tinha a mesma função que um marco, um registro para guardar na lembrança. É como se a etiqueta fosse, na realidade, uma chave para abrir um baú com os registros afetivos.
Olhar uma etiqueta era como recordar o cheiro, o abraço, o sorriso, a conversa solta, a piada, a bronca sabiamente recebida...
Nesse turbilhão de informações lembrei a história de Jacó e da pedra que foi usada como travesseiro.
Jacó. o patriarca que dá nome à nação, dormiu depois de fugir da ira do irmão. Foi parar longe e, bem longe, dormiu com a cabeça sobre uma pedra. Naquele lugar teve a famosa visão de uma escada, Naquele lugar, sozinho, teve a primeira experiência com Deus. Sinceramente não creio que tenha sido a primeira mas foi, sem dúvida, a relação mais direta que tivera até aquele momento. O Senhor fala com Jacó ali sozinho no meio da fuga, depois de quebrar a confiança do pai, e 'arrancar' o fruto da estranha negociação com o irmão. Depois do acontecimento extraordinário Jacó chega à conclusão que Deus não cabe em nossas normas geográficas, nem dogmáticas. "O Senhor estava aqui e eu não sabia" (Gn 28.16). O impacto foi tão grande que o patriarca desejou marcar o lugar, dar nome aquele espaço físico onde ocorreu a revelação divina. Ele vê, ouve, sente e, ainda que não entenda, assume compromisso de voltar. Era um marco, um pacto, uma etiqueta. A 'etiqueta' naquele caso, foi a pedra mas o compromisso estava gravado no coração de Jacó. Ele chama o lugar de Betel - casa de Deus - mas, na realidade a morada divina se cumpriria, não num espaço físico, mas a partir do próprio Jacó. Deus não prometeu estar naquele lugar. Só estava ali porque Jacó encostou a cabeça na pedra daquele lugar.
Sebastião=sagrado, reverenciado é o significado do nome.
Minha mala não carrega nenhuma identificação mas o adesivo da vida do 'Tião", do irmão Sebastião, vai continuar como um adesivo aqui no fundo do coração. Ele é um marco de disposição, de boa vontade, de homem de família, de dependência divina e de desafio. Meu desafio é olhar as marcas de minha caminhada como balizadores de minhas escolhas e referências.

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